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Turismo gastronômico: cidades brasileiras que se destacam pela culinária regional e movimentam a economia criativa

Turismo gastronômico: cidades brasileiras que se destacam pela culinária regional e movimentam a economia criativa

Turismo gastronômico: cidades brasileiras que se destacam pela culinária regional e movimentam a economia criativa

Viajar para comer bem deixou de ser detalhe de roteiro e virou motivo principal para escolher um destino. No Brasil, o turismo gastronômico ganha força ao mesmo tempo em que a economia criativa se organiza em torno de feiras, festivais, pequenos produtores e cozinhas autorais. Em vez de grandes resorts, são mercados municipais, botecos de bairro e restaurantes familiares que movimentam empregos e renda.

Neste texto, reunimos cidades brasileiras que se destacam pela culinária regional e mostram, na prática, como um prato bem servido pode aquecer muito mais do que o estômago: pode aquecer a economia local.

Por que o turismo gastronômico importa para a economia criativa

Turismo gastronômico não é apenas “comer fora da cidade”. Ele envolve toda a cadeia que vai do campo ao prato:

  • agricultores familiares que fornecem insumos regionais
  • pequenos negócios (barracas, lanchonetes, restaurantes, cafés)
  • artesãos que produzem utensílios, louças e embalagens
  • guias turísticos e agências especializadas em experiências culinárias
  • festivais e eventos temáticos, que atraem público em períodos de baixa temporada
  • Segundo o Sebrae, a economia criativa já responde por cerca de 3% do PIB brasileiro, com forte presença nos setores de gastronomia, cultura e entretenimento. Em muitas cidades médias e pequenas, a comida típica virou o principal cartão de visita, ajudando a:

  • diversificar a economia, antes dependente de poucos setores
  • gerar empregos de baixa, média e alta qualificação
  • aumentar a permanência do turista (que consome mais quando fica mais dias)
  • fortalecer a identidade local, valorizando receitas, ingredientes e modos de fazer tradicionais
  • A seguir, alguns exemplos de destinos que já entenderam esse potencial e trabalham a gastronomia como eixo central da economia criativa.

    Belém (PA): a força da cozinha amazônica

    Belém se consolidou como referência de turismo gastronômico ao transformar ingredientes amazônicos em protagonistas. Tucupi, jambu, cupuaçu, açaí “raiz”, castanha-do-pará e peixes de água doce sustentam uma cadeia produtiva que envolve ribeirinhos, feirantes, chefs e pequenos empreendedores.

    No centro desse movimento está o Mercado Ver-o-Peso, um dos principais pontos turísticos da cidade. Além de atrair visitantes curiosos com as bancas de peixes e ervas medicinais, o mercado é um polo econômico: movimenta diariamente centenas de trabalhadores informais e pequenos comerciantes.

    Alguns destaques gastronômicos de Belém:

  • maniçoba: prato típico à base de folhas de mandioca cozidas por vários dias, servido com carnes salgadas
  • tacacá: caldo de tucupi com goma de tapioca e camarão, vendido em barracas de rua
  • filhote, pirarucu e outros peixes amazônicos servidos em preparos regionais e autorais
  • sorvetes de frutas nativas, como cupuaçu, taperebá, bacuri e graviola
  • Belém tem usado festivais gastronômicos, roteiros guiados por mercados e cozinhas de chefs que trabalham ingredientes locais para atrair turistas nacionais e estrangeiros. Dessa forma, o dinheiro gasto pelo visitante percorre várias pontas da economia criativa: do produtor rural ao restaurante, passando por transporte, hospedagem e serviços culturais.

    Salvador (BA): comida de rua, axé e tradição afro-brasileira

    Em Salvador, a gastronomia se conecta diretamente com a herança afro-brasileira e com o turismo cultural. Acarajé, vatapá, moqueca, caruru, xinxim de galinha e o uso intenso do dendê formam um repertório conhecido dentro e fora do país.

    As baianas de acarajé são talvez o exemplo mais emblemático de economia criativa na cidade. Reconhecidas como patrimônio imaterial, elas movimentam uma rede que inclui:

  • fornecedores de feijão-fradinho, camarão seco, azeite de dendê e pimenta
  • bordadeiras e artesãs que produzem roupas e adornos tradicionais
  • pequenos fabricantes de tabuleiros, panelas e utensílios
  • A comida de rua, presente em bairros como Rio Vermelho, Itapuã e Centro Histórico, ajuda a pulverizar a renda do turismo: em vez de se concentrar em poucos estabelecimentos, o gasto do visitante se distribui por dezenas de vendedores e pequenos restaurantes.

    Nos últimos anos, Salvador também viu crescer um circuito de restaurantes contemporâneos que reinterpretam a cozinha baiana com técnicas modernas. Essa aproximação entre tradição e inovação amplia o público e gera novas oportunidades para chefs, cozinheiros, designers de cardápio e produtores de conteúdo gastronômico.

    Belo Horizonte (MG): capital dos botecos e da cozinha mineira

    Belo Horizonte consolidou a imagem de “capital dos botecos”. Mas, por trás da fama de tira-gostos e cerveja gelada, há uma estrutura econômica relevante. Segundo dados da prefeitura, o setor de bares e restaurantes responde por uma parcela importante dos empregos no comércio e serviços da cidade.

    A identidade gastronômica de BH se ancora em três pilares:

  • a cozinha mineira tradicional (feijão tropeiro, frango com quiabo, leitão à pururuca, doces de leite e compotas)
  • a cultura dos botecos, com petiscos criativos e competição saudável entre casas
  • eventos como o Comida di Buteco, que surgiram em Belo Horizonte e hoje movimentam todo o país
  • O Comida di Buteco é um bom exemplo de como a gastronomia pode estruturar a economia criativa. O concurso estimula cada bar a criar um prato autoral, valoriza ingredientes regionais, aumenta o fluxo de clientes em épocas específicas do ano e mobiliza campanhas de comunicação, produção de conteúdo e turismo interno.

    Além dos botecos, a capital mineira vem apostando em mercados e feiras gastronômicas, com espaços que reúnem cervejarias artesanais, queijarias, produtores de embutidos, cafés especiais e cozinhas itinerantes. Esse formato reduz custos para pequenos empreendedores, favorece a troca entre negócios e amplia a oferta para o turista.

    São Paulo (SP): diversidade, nichos e alta gastronomia

    São Paulo dificilmente poderia ser resumida a uma única “cozinha regional”. O que atrai o turista gastronômico é justamente a diversidade: de restaurantes estrelados a lanchonetes de bairro, passando por cozinhas de imigração (italiana, árabe, japonesa, coreana, boliviana, chinesa e muitas outras).

    Do ponto de vista da economia criativa, a cidade funciona como um grande laboratório gastronômico:

  • restaurantes de alta gastronomia que empregam equipes numerosas de cozinha e salão
  • negócios especializados (ramen, café de especialidade, padarias artesanais, hamburguerias, casas de comida nordestina, amazônica, gaúcha etc.)
  • mercados e feiras gastronômicas que misturam comida, música, design e artesanato
  • plataformas digitais de avaliação e entrega, que ampliam a visibilidade de pequenos negócios
  • Para o turista, essa rede se traduz em experiências variadas: comer pastel em feira de rua, visitar o Mercadão, explorar a Liberdade e o Bom Retiro, conhecer restaurantes de chefs conhecidos e experimentar cozinhas de periferia que ganham projeção em guias e redes sociais.

    O impacto econômico é significativo. A capital concentra parte relevante dos eventos corporativos e feiras de negócios do país, e a gastronomia é componente central desses encontros. Muitos visitantes ampliam a estadia apenas para conhecer restaurantes ou bares específicos, o que incrementa gastos com hospedagem, transporte e cultura.

    Recife e Olinda (PE): sabores do Nordeste e calendário de festas

    Recife e Olinda formam um eixo turístico em que gastronomia, cultura e calendário de festas caminham juntos. Do ponto de vista culinário, pratos como bolo de rolo, cartola, tapioca, carne de sol, peixes e frutos do mar estruturam a oferta gastronômica local.

    O diferencial da região está na combinação entre comida e experiências culturais:

  • carnaval de rua, que gera grande demanda por bares, restaurantes e ambulantes
  • festivais de música e cultura popular, que incluem áreas de alimentação estruturadas
  • roteiros históricos em Olinda, com paradas estratégicas em bares e casas de comida típica
  • Essa integração amplia o espectro da economia criativa: além dos profissionais ligados diretamente à alimentação, entram em cena músicos, artistas visuais, produtores culturais, fotógrafos e guias turísticos.

    Nos últimos anos, a cena de cafés especiais, bares autorais e cozinhas de fusão também cresceu no Recife Antigo e em bairros como Boa Viagem, atraindo um público jovem que combina turismo, trabalho remoto e consumo de experiências gastronômicas.

    Florianópolis (SC): mar, mariscos e turismo de temporada

    Florianópolis tem na combinação entre praia e gastronomia baseada em frutos do mar um dos seus maiores atrativos. Ostras, berbigão, peixes frescos, camarão e receitas de tradição açoriana sustentam boa parte da identidade culinária da ilha.

    A maricultura (especialmente a produção de ostras) é um exemplo claro de como a gastronomia se articula com a economia local. Santa Catarina responde pela maior parte da produção de ostras do país, e Florianópolis se aproveita desse diferencial oferecendo:

  • restaurantes especializados em frutos do mar em bairros como Ribeirão da Ilha
  • festivais gastronômicos fora da alta temporada, para atrair visitantes em meses mais vazios
  • roteiros que conectam fazendas marinhas, degustações e passeios de barco
  • Para o turista, a visita deixa de ser apenas “praia e hotel” e passa a incluir experiências ligadas à produção e ao consumo consciente de alimentos. Para a cidade, é uma forma de estender o impacto econômico do verão por mais meses ao ano.

    Curitiba (PR): cafés, cervejas artesanais e culinária de imigração

    Curitiba vem ganhando espaço no turismo gastronômico com uma combinação de cafés, cervejarias artesanais e restaurantes que valorizam a herança de imigração europeia (polonesa, ucraniana, alemã, italiana). Pratos como pierogi, carne de porco, embutidos e sopas aparecem em versões tradicionais e contemporâneas.

    Nos últimos anos, a cidade viu crescer:

  • rotas de cerveja artesanal, com visitas a fábricas e bares especializados
  • cafeterias que trabalham com grãos de produtores locais, torras próprias e métodos especiais
  • feiras gastronômicas em parques e praças, que incluem food trucks, música e artesanato
  • Esse conjunto ajuda a movimentar a economia criativa de forma relativamente descentralizada, distribuindo fluxos de turistas por diferentes bairros e regiões metropolitanas. A combinação de clima mais frio, parques e boa infraestrutura urbana reforça a ideia de uma cidade “boa para comer bem e andar a pé”.

    Manaus (AM): gastronomia ribeirinha e porte de capital

    Manaus, assim como Belém, se apoia na cozinha amazônica, mas com características próprias. A cidade se beneficia do fluxo de turistas que visitam a floresta, os rios e o encontro das águas, e encontra na gastronomia um complemento importante dessa experiência.

    Entre os destaques da culinária local estão:

  • caldeirada de peixe com tucupi e ervas regionais
  • tambaqui assado, pirarucu de casaca e outros peixes amazônicos
  • farinhas, farofas e derivados da mandioca produzidos por comunidades rurais
  • sucos e doces de frutas nativas, vendidos em mercados e feiras
  • Mercados como o Adolpho Lisboa funcionam como porta de entrada para esse universo, unindo turismo, abastecimento da cidade e comércio de lembranças. Em paralelo, restaurantes de cozinha de autor trabalham com ingredientes locais e contribuem para a projeção nacional da gastronomia amazônica.

    Como as cidades podem se preparar melhor para o turismo gastronômico

    Os exemplos acima mostram que não basta “ter comida boa” para atrair turistas e fortalecer a economia criativa. Cidades que se destacam em turismo gastronômico seguem, em geral, alguns movimentos comuns:

  • mapeamento dos atores locais: quem produz, quem transforma, quem vende, quem promove
  • criação de roteiros oficiais ou colaborativos, integrando bares, restaurantes, mercados e eventos
  • investimento em qualificação profissional, do atendimento à gestão de negócios
  • valorização de ingredientes e modos de fazer tradicionais, com proteção de indicações geográficas quando possível
  • uso de dados (fluxo turístico, ticket médio, sazonalidade) para planejar festivais e ações promocionais
  • Também é importante articular gastronomia com outros eixos da economia criativa. Uma cidade que organiza um festival de comida de rua, por exemplo, pode envolver:

  • músicos e artistas locais na programação
  • designers na criação de identidade visual, cardápios e sinalização
  • produtores de vídeo e fotografia para gerar conteúdo e divulgar o evento
  • artesãos em feiras paralelas de produtos regionais
  • O resultado tende a ser um ciclo virtuoso: o turista consome mais, permanece mais tempo e se torna um divulgador espontâneo do destino nas redes sociais, o que reduz custos de marketing e amplia o alcance da cidade.

    Dicas práticas para o viajante que quer explorar a culinária regional

    Para quem pretende montar roteiros centrados na gastronomia, algumas estratégias ajudam a ir além do óbvio e a apoiar de forma mais direta a economia criativa local:

  • priorizar restaurantes, mercados e feiras que trabalhem com ingredientes regionais
  • conversar com feirantes, cozinheiros e guias para entender a história por trás dos pratos
  • variar entre casas mais simples e restaurantes de cozinha autoral
  • verificar calendários de festivais gastronômicos, festas populares e feiras de rua
  • comprar de pequenos produtores (queijos, doces, cafés, cachaças, condimentos, artesanato ligado à cozinha)
  • Outra boa prática é buscar iniciativas locais de turismo comunitário ou gastronômico guiado. Em vários destinos, moradores organizam passeios temáticos por mercados, botecos ou cozinhas familiares, oferecendo uma experiência mais próxima do cotidiano da cidade e gerando renda direta para a comunidade.

    Com planejamento e informação, o viajante transforma cada refeição em oportunidade de conhecer a história, a cultura e a dinâmica econômica do lugar. Para as cidades, esse visitante informado é um aliado importante na consolidação da gastronomia como pilar da economia criativa.

    No Brasil, a variedade de ingredientes, climas e tradições culinárias cria um campo fértil para esse tipo de turismo. De mercados populares a restaurantes premiados, há espaço para que diferentes perfis de viajantes encontrem, no prato, um motivo a mais para fazer as malas e, ao mesmo tempo, fortalecer economias locais que dependem cada vez mais de criatividade, identidade e bons sabores.

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