Turismo de experiência: viajantes brasileiros em busca de vivências autênticas e conexões culturais profundas

Turismo de experiência: viajantes brasileiros em busca de vivências autênticas e conexões culturais profundas

O brasileiro está viajando de um jeito diferente. Menos compra de pacote engessado, mais vontade de “viver como local”, participar de festas tradicionais, aprender um ofício ou passar alguns dias em uma comunidade distante do roteiro massificado. Esse movimento ganhou um nome que se espalhou pelo setor: turismo de experiência.

Neste texto, vamos entender o que está por trás dessa tendência, como ela mexe com a economia do turismo e quais cuidados o viajante precisa ter para que a busca por autenticidade não se transforme em frustração – ou em impacto negativo para as comunidades visitadas.

O que é, na prática, turismo de experiência?

O termo é amplo, mas, em linhas gerais, o turismo de experiência é aquele focado em vivências concretas, e não apenas em “ver” lugares. A prioridade deixa de ser o ponto turístico em si e passa a ser a interação: com moradores, com a cultura local, com a natureza, com a história daquele território.

Alguns exemplos frequentes de turismo de experiência envolvendo brasileiros:

  • participar de colheitas agrícolas ou de práticas de agrofloresta na Amazônia ou na Mata Atlântica;
  • passar alguns dias em comunidades ribeirinhas ou quilombolas, acompanhando o cotidiano e a produção artesanal;
  • fazer oficinas de culinária regional, de cerâmica, de maracatu, samba de roda ou capoeira;
  • hospedar-se em fazendas de café, cacau ou vinho, acompanhando parte do trabalho produtivo;
  • viver experiências religiosas e festas populares, como romarias, festejos juninos e celebrações de matriz afro-brasileira, sempre com mediação adequada;
  • roteiros de volunturismo estruturado, em que o visitante atua em projetos sociais ou ambientais, com acompanhamento técnico.

Nesse tipo de viagem, a foto “instagramável” continua existindo, mas o que define a experiência é o envolvimento. Em vez de passar 15 minutos em um mirante, o viajante passa um dia inteiro com uma família local, por exemplo.

Por que os brasileiros estão buscando experiências mais autênticas?

Vários fatores explicam essa mudança de comportamento, que se intensificou nos últimos anos:

  • Cansaço do turismo de massa: filas, preços altos em destinos saturados, sensação de “mais do mesmo”.
  • Redes sociais: se antes a foto clássica em frente ao ponto turístico era suficiente, hoje muitos viajantes buscam algo “diferente” para compartilhar, o que empurra a demanda por vivências personalizadas.
  • Pós-pandemia: depois do isolamento, encontros presenciais, contato com a natureza e com pequenas comunidades ganharam novo valor simbólico.
  • Valorização da cultura brasileira: a discussão sobre identidade, ancestralidade e diversidade cultural aumentou, e isso se reflete nas escolhas de viagem.
  • Busca de propósito: parte dos viajantes quer que sua viagem “faça sentido”: apoiar projetos locais, aprender algo novo, compreender melhor a realidade de outras regiões do país.

A pesquisa “Tendências de Turismo 2024”, de consultorias e entidades do setor, vem mostrando um ponto em comum: cresce a preferência por viagens com menos deslocamentos e mais permanência em um mesmo lugar, com foco em experiências imersivas. Em paralelo, agências especializadas em turismo de base comunitária, turismo social e turismo de natureza relatam aumento na procura por roteiros fora do eixo tradicional.

Dados e sinais do mercado

Embora não exista ainda uma estatística única que meça apenas “turismo de experiência”, alguns números do mercado ajudam a perceber a tendência:

  • Plataformas de hospedagem em casas e quartos privados, que costumam estar associadas a experiências mais personalizadas, seguem em alta entre brasileiros, sobretudo em destinos de interior.
  • Operadoras de roteiros de base comunitária na Amazônia, no Cerrado e no Nordeste relatam crescimento de dois dígitos na demanda após 2022, especialmente entre jovens adultos e casais sem filhos.
  • A Embratur e secretarias estaduais de turismo vêm incluindo, com mais frequência, experiências culturais e comunitárias nas campanhas de promoção, tanto para o mercado interno quanto para o externo.
  • Empresas de cartões e bancos digitais registram aumento nas despesas de viagem relacionadas a experiências (passeios locais, atividades guiadas, oficinas), em comparação com gastos apenas em hospedagem e transporte.

Esses sinais apontam para um redesenho da “cesta de consumo” do turista brasileiro: mais gasto com atividades e vivências, e não somente com deslocamento e diárias.

Que tipo de experiências os brasileiros mais procuram?

Dentro do guarda-chuva do turismo de experiência, algumas categorias vêm se destacando entre os viajantes do país.

1. Turismo de base comunitária

É a forma de turismo em que a comunidade local é protagonista: decide como receber, como cobrar, o que mostrar, e participa diretamente da divisão dos resultados. No Brasil, há experiências consolidadas em quilombos, aldeias indígenas, comunidades ribeirinhas e vilas de pescadores.

Exemplos recorrentes:

  • hospedagem em casas de moradores, com alimentação preparada pela própria comunidade;
  • passeios guiados por lideranças locais, que apresentam a história e as tradições do grupo;
  • apresentações de saberes tradicionais, como benzimentos, cantos, danças e técnicas artesanais.

2. Turismo gastronômico

Comer bem sempre foi parte da viagem, mas agora o turista quer entender o que come. Isso passa por:

  • visitas a mercados públicos, feiras livres e pequenos produtores;
  • oficinas de culinária regional (moqueca, comida mineira, cozinha amazônica, comida de terreiro);
  • degustações guiadas de café, cacau, queijos, cachaças artesanais ou vinhos brasileiros.

3. Turismo de natureza com vivência local

Não basta caminhar na trilha: muitos viajantes querem saber quem vive ali, como se conserva aquela área, quais são os conflitos ambientais em torno daquele território. Guias locais e condutores comunitários ganham destaque nessas rotas.

4. Experiências urbanas alternativas

Mesmo nas grandes cidades, há espaço para turismo de experiência: tours em periferias, circuitos de arte urbana, visitas a coletivos culturais e projetos sociais, passeios guiados por moradores que apresentam a cidade para além dos pontos tradicionais.

Impactos econômicos e sociais: oportunidade e responsabilidade

Do ponto de vista econômico, o turismo de experiência tem um potencial importante: distribuir melhor a renda do turismo e ampliar a participação de pequenos empreendedores e comunidades.

Alguns efeitos positivos observados onde essas práticas são bem estruturadas:

  • Descentralização de fluxos: parte do gasto do turista deixa de se concentrar apenas em grandes hotéis e redes e se espalha por bairros, vilas e comunidades afastadas do centro.
  • Geração de renda direta: famílias que oferecem hospedagem, alimentação, guiamento e artesanato passam a ter uma fonte adicional de receita.
  • Valorização de saberes tradicionais: conhecimentos antes vistos como “do dia a dia” passam a ser reconhecidos como patrimônio cultural, o que fortalece a autoestima comunitária.
  • Incentivo à preservação: quando o ambiente natural ou o patrimônio cultural se tornam parte da experiência turística, cresce o interesse em preservá-los – desde que não haja sobrecarga.

Ao mesmo tempo, há riscos:

  • Folclorização da cultura: transformar práticas religiosas ou rituais íntimos em espetáculo constante para turistas pode gerar distorções e conflitos internos.
  • Aumento do custo de vida: em alguns destinos, a chegada massiva de visitantes faz subir o preço de alimentos, aluguel e serviços, dificultando a vida de quem mora ali.
  • Sobrecarga ambiental: trilhas superutilizadas, geração de resíduos, pressão sobre recursos hídricos e áreas frágeis.

Por isso, a forma como essas experiências são organizadas é tão importante quanto a demanda em si. O ideal é que comunidades e pequenos empreendedores tenham apoio técnico – de universidades, ONGs, órgãos públicos – para planejar a atividade turística, definir limites de carga e construir regras claras.

Como planejar uma viagem focada em experiências autênticas

Para o viajante brasileiro que quer se aproximar de experiências mais profundas, algumas atitudes ajudam a evitar armadilhas e aumentar a chance de uma vivência realmente positiva, para todos os lados.

1. Pesquise quem está por trás da experiência

Antes de reservar:

  • verifique se a comunidade ou o grupo local participa diretamente da iniciativa;
  • busque informações em sites oficiais de turismo, organizações sociais ou redes de turismo de base comunitária;
  • consulte avaliações em plataformas, mas vá além das notas: leia comentários sobre respeito cultural, organização e transparência.

2. Questione como o dinheiro é distribuído

Não é falta de educação perguntar, de forma respeitosa, como os recursos são repassados. Alguns pontos:

  • há uma associação ou cooperativa que decide coletivamente sobre preços e investimentos?
  • a comunidade recebe pagamento direto, ou apenas uma pequena comissão?
  • parte da renda é destinada a melhorias locais (escola, posto de saúde, infraestrutura)?

3. Respeite limites culturais e ambientais

Nem tudo é “atração turística”. Em muitas comunidades, há espaços sagrados, horários específicos para rituais, momentos em que fotos não são bem-vindas. Informe-se com antecedência e, em caso de dúvida, pergunte.

No ambiente natural:

  • siga as orientações da condução local;
  • não leve “lembranças” como pedras, plantas, sementes ou animais;
  • leve de volta todo o lixo que você produzir.

4. Esteja aberto ao improviso

Experiências autênticas nem sempre seguem o roteiro perfeito. Pode chover, a festa pode mudar de horário, o barco pode atrasar. Parte do aprendizado está em lidar com a dinâmica real da vida local, que não é um espetáculo programado minuto a minuto.

Perfis de viajantes e tipos de experiência

Nem todo mundo busca o mesmo nível de imersão. Mas, em praticamente qualquer perfil de viagem, é possível incorporar algum elemento de turismo de experiência.

  • Famílias com crianças: visitas a pequenas propriedades rurais, fazendas pedagógicas, trilhas curtas com guias locais, oficinas simples de culinária ou artesanato.
  • Jovens adultos: roteiros comunitários na Amazônia, no Semiárido ou no litoral, voluntariado estruturado, experiências urbanas em periferias com coletivos culturais.
  • Casais: estadias mais longas em uma única região, com foco em gastronomia, vinhos, café, trilhas e vivências culturais.
  • Viajantes solo: hostels e hospedagens familiares em bairros não turísticos, city tours alternativos, oficinas e cursos de curta duração.

A chave é ajustar a profundidade da imersão ao tempo disponível, à condição física e ao grau de conforto que cada viajante busca.

O papel do poder público e do setor privado

Para além da escolha individual de cada turista, a expansão do turismo de experiência depende de políticas públicas e da atuação das empresas.

No setor público, alguns pontos são fundamentais:

  • mapear e apoiar iniciativas comunitárias já existentes, em vez de impor modelos externos;
  • oferecer capacitação em gestão, finanças, hospitalidade e segurança;
  • garantir infraestrutura mínima: acesso, saneamento, comunicação;
  • criar canais para que as próprias comunidades participem da formulação das políticas de turismo.

Já o setor privado – agências, operadoras, plataformas – pode contribuir quando:

  • trabalha com contratos transparentes, que valorizem a participação local;
  • evita “empacotar” culturas e rituais apenas como produto de entretenimento;
  • investe em formação de guias locais e em práticas de baixo impacto ambiental.

Em vez de apenas vender “autenticidade” como slogan, o desafio é construir relações de longo prazo com territórios e comunidades, em que o turismo seja um complemento, não uma ameaça ao modo de vida.

Uma tendência que deve permanecer

Todos os indicadores apontam que a busca por experiências mais significativas tende a crescer entre viajantes brasileiros. A combinação de fatores econômicos (câmbio, custo de vida), sociais (debate sobre identidade, desigualdade, meio ambiente) e tecnológicos (plataformas que conectam diretamente viajantes e anfitriões) favorece esse tipo de turismo.

Para o Brasil, país com forte diversidade cultural e ambiental, o turismo de experiência pode ser uma oportunidade de:

  • gerar renda em regiões historicamente à margem do turismo tradicional;
  • fortalecer a preservação de biomas e culturas ameaçadas;
  • estimular o diálogo entre realidades muito diferentes, às vezes separadas por poucos quilômetros.

Para o viajante, fica o convite à reflexão: não se trata de “consumir” autenticidade, mas de se colocar como visitante respeitoso, disposto a aprender, ouvir e, na medida do possível, contribuir. Experiência, nesse contexto, não é apenas ter uma boa história para contar na volta, e sim participar, por alguns dias, da história de outras pessoas – sem esquecer que, quando você vai embora, elas continuam ali, lidando com os efeitos de cada escolha feita hoje.

Felipe