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Turismo comunitário em favelas: oportunidades e desafios para moradores que querem empreender com responsabilidade

Turismo comunitário em favelas: oportunidades e desafios para moradores que querem empreender com responsabilidade

Turismo comunitário em favelas: oportunidades e desafios para moradores que querem empreender com responsabilidade

O turismo em favelas cresceu de forma constante na última década, tanto no Brasil quanto em outros países. Em algumas comunidades do Rio de Janeiro, como Santa Marta, Rocinha e Vidigal, já é comum ver grupos de estrangeiros circulando com guias locais, máquinas fotográficas e curiosidade sobre o cotidiano dos moradores. Mas esse movimento também levanta dúvidas importantes: quem ganha com esse turismo? Ele ajuda ou atrapalha a vida de quem mora ali? E, principalmente, como os moradores podem empreender nesse setor de forma responsável?

O que é turismo comunitário em favelas

Nem todo turismo em favela é turismo comunitário. Em muitos casos, empresas de fora entram na comunidade, contratam pouco (ou nada) de mão de obra local e levam a maior parte da receita embora. O turismo comunitário tenta fazer o oposto: ele é idealizado, organizado ou, pelo menos, fortemente controlado por moradores.

De forma simples, turismo comunitário em favelas é aquele em que:

Nesse modelo, o visitante não é levado para “ver pobreza”, mas para conhecer histórias, iniciativas culturais, projetos sociais, gastronomia, música, esportes e a vida real de quem mora ali.

Por que o interesse em visitar favelas cresceu

Alguns fatores ajudam a explicar o crescimento desse tipo de turismo, especialmente em cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Paulo:

Esse cenário abriu uma janela de oportunidades para quem vive nessas áreas, especialmente para jovens que falam outros idiomas, cozinheiras, artesãos, produtores culturais, motoristas de mototáxi, guias locais e donos de pequenos comércios.

Oportunidades para moradores que querem empreender

O turismo comunitário pode gerar renda em diferentes etapas da jornada do visitante. Para o morador interessado em empreender, alguns nichos se destacam.

1. Guias locais e experiências guiadas

Moradores que conhecem bem a história da comunidade, seus pontos de interesse e lideranças locais podem atuar como guias. A vantagem é que não se trata apenas de “andar pelas ruas”, mas de contar a favela de dentro, com contexto e respeito.

2. Gastronomia local

Bares, restaurantes, cozinhas domésticas e vendedores ambulantes podem se estruturar para atender turistas, sempre sem esquecer o público principal, que continua sendo o morador. Alguns caminhos possíveis:

3. Artesanato, moda e economia criativa

Artesãos, costureiras e coletivos de moda de favela podem usar o fluxo de visitantes para vender produtos com identidade local: camisetas, quadros, bolsas, peças de decoração, artigos reciclados, entre outros.

Além da venda direta, o turismo serve como vitrine: muitos visitantes acabam divulgando essas marcas nas redes sociais, o que amplia o alcance para além da comunidade.

4. Hospedagem e experiências imersivas

Plataformas de aluguel de temporada abriram espaço para hospedagens em favelas, com quartos em casas de família ou pequenos hostels comunitários. Quando bem organizadas, essas hospedagens podem gerar uma renda relevante ao longo do ano, especialmente em períodos de grandes eventos, como Carnaval, Réveillon ou festivais.

5. Serviços de apoio

Nem todo mundo precisa lidar diretamente com turistas para se beneficiar. Há espaço para:

Os principais riscos e dilemas

Apesar das oportunidades, o turismo em favelas não é neutro. Se for mal conduzido, pode reforçar estereótipos, aumentar conflitos internos e, em casos extremos, transformar o morador em “atração turística” dentro da própria casa.

Alguns dos riscos mais citados por pesquisadores e lideranças comunitárias são:

Esses problemas não são exclusivos do Brasil. Em cidades como Cidade do Cabo (África do Sul) e Mumbai (Índia), comunidades também têm debatido se o “slum tourism” ajuda ou prejudica.

Como fazer turismo comunitário com responsabilidade

Para quem vive em favela e quer empreender no setor sem cair nessas armadilhas, alguns princípios podem ajudar a orientar as decisões.

1. Participação da comunidade

Antes de lançar um tour ou um evento, é importante conversar com vizinhos, lideranças, associações de moradores e projetos locais. Alguns pontos a combinar coletivamente:

2. Transparência sobre o dinheiro

Quando há mais de um morador envolvido, é importante definir desde o início:

Essa clareza ajuda a evitar conflitos futuros e fortalece a confiança entre os participantes.

3. Respeito à privacidade dos moradores

Algumas regras práticas podem fazer muita diferença:

4. Segurança em primeiro lugar

O empreendedor local conhece melhor do que qualquer turista a dinâmica de segurança da comunidade. Por isso, é fundamental:

5. Parcerias com projetos e lideranças locais

Vincular o turismo comunitário a iniciativas já existentes — como bibliotecas comunitárias, cursinhos populares, coletivos culturais — dá legitimidade ao projeto e distribui melhor os benefícios.

Exemplos que ajudam a entender o potencial

Em diferentes favelas brasileiras, moradores vêm experimentando modelos variados de turismo comunitário.

Santa Marta (Rio de Janeiro)

Uma das pioneiras no turismo em favela, a comunidade de Santa Marta ficou conhecida após receber gravações de clipes internacionais. Moradores se organizaram em cooperativas de guias locais, criaram mirantes sinalizados e passaram a oferecer roteiros com foco em cultura, música e história.

Vidigal (Rio de Janeiro)

Com vista privilegiada para o mar e localização estratégica, o Vidigal viu crescer hostels, bares e festas frequentados por turistas e cariocas de outras áreas da cidade. Ao mesmo tempo, surgiram debates sobre gentrificação e aumento de aluguéis, mostrando como o turismo pode gerar renda, mas também pressão sobre o custo de moradia.

Paraisópolis (São Paulo)

Em São Paulo, iniciativas de turismo guiado em Paraisópolis vêm incluindo visitas a projetos sociais, bailes de orquestra de jovens, oficinas de gastronomia e rotas que mostram a diversidade econômica da comunidade, que vai de pequenos comércios a serviços sofisticados.

Cada um desses exemplos mostra um ponto em comum: onde há organização comunitária, o turismo tende a gerar benefícios mais claros e reduzir impactos negativos.

Passo a passo básico para quem quer começar

Para o morador que está pensando em empreender com turismo comunitário, um roteiro inicial pode ajudar:

O papel do poder público e das plataformas digitais

Embora o foco esteja nos moradores, o turismo comunitário em favelas não depende apenas da iniciativa individual. Políticas públicas e regulamentos podem facilitar — ou dificultar — muito esse caminho.

Algumas medidas importantes incluem:

Plataformas digitais de viagens e experiências também têm responsabilidade. Elas podem:

Um caminho de longo prazo, não uma moda passageira

O turismo comunitário em favelas não deve ser encarado apenas como “tendência” para aproveitar enquanto está em alta nas redes sociais. Para que faça sentido para os moradores, ele precisa se integrar ao cotidiano da comunidade, gerar renda estável, criar oportunidades para jovens e apoiar projetos locais de cultura e educação.

Empreender nesse campo exige paciência, diálogo e disposição para ajustar o modelo sempre que necessário. Exige também uma pergunta constante: este passeio, esta experiência ou este negócio estão melhorando a vida de quem mora aqui ou apenas atendendo à curiosidade de quem vem de fora?

Quando a resposta aponta para o fortalecimento da comunidade, o turismo deixa de ser apenas uma visita rápida e vira uma ferramenta de desenvolvimento local, construída por quem mais entende do assunto: os próprios moradores.

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