“Pergunta lá no posto Ipiranga.” Em poucos anos, essa frase saiu de um roteiro de comercial de TV para virar resposta pronta em conversa de bar, comentário em rede social e até recurso de político em debate público. Mais que um bordão de campanha, ela acabou se tornando um atalho cultural para falar de dúvida, transferência de responsabilidade e até desinformação.
Neste texto, vamos entender como esse meme publicitário nasceu, por que foi apropriado pela política e de que maneira ele virou referência cotidiana para milhões de brasileiros.
Como nasceu o “pergunte no posto Ipiranga”
A origem está em uma campanha publicitária da rede de postos Ipiranga, lançada no início da década de 2010. A ideia central dos filmes era simples: alguém faz uma pergunta específica (sobre serviços, conveniências, onde encontrar algo) e recebe como resposta: “No posto Ipiranga”.
Com o tempo, o roteiro foi se tornando mais exagerado: perguntas sobre os temas mais variados – alimentação, serviços, lazer – recebiam sempre a mesma indicação: pergunte ou procure no posto Ipiranga. A repetição reforçou o efeito de bordão.
Do ponto de vista de marketing, a fórmula combinava alguns elementos clássicos de memorização:
Essa construção transformou o posto Ipiranga de um simples local de abastecimento em um “lugar imaginário” onde todas as respostas estariam disponíveis. Era uma metáfora publicitária que, em pouco tempo, ultrapassou a tela da TV.
Do comercial ao meme da internet
À medida que os comerciais eram veiculados em rede nacional, as redes sociais começaram a “adotar” o bordão. Qualquer pergunta sem resposta clara ganhava um comentário padrão: “Pergunta lá no posto Ipiranga”.
O formato ajudou na viralização:
A partir desse momento, a expressão deixou de ser apenas um recurso de marketing e passou a integrar o repertório de humor digital brasileiro, em respostas de comentários, em memes de imagem e em vídeos curtos.
Mas o salto definitivo para a cultura política ainda viria a seguir.
Quando o bordão entra na política
A frase “pergunte no posto Ipiranga” ganhou nova camada de significado quando começou a ser usada, de forma explícita, no debate público. A associação mais conhecida é com a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018, quando o então candidato se referia ao economista Paulo Guedes como o responsável por responder sobre temas econômicos.
Mesmo sem sempre usar literalmente o bordão da propaganda, a lógica era muito semelhante: diante de perguntas econômicas mais complexas, a resposta recorrente remetia a um “posto Ipiranga” específico – a equipe responsável pela área. Parte da imprensa e dos comentaristas políticos passou então a empregar o termo “posto Ipiranga” como metáfora para um conselheiro centralizador de decisões econômicas.
O efeito foi duplo:
A expressão passou a aparecer em análises, colunas e reportagens tratando de governo e políticas públicas. Sempre que um líder político evitava entrar em detalhes técnicos e remetia o tema a outro interlocutor, surgia a comparação: “virou o posto Ipiranga de tal governo”.
Nesse momento, o que era apenas um recurso de humor publicitário se tornou também ferramenta de leitura da vida institucional brasileira.
O que o meme revela sobre a forma de buscar respostas
Por que uma frase como “pergunte no posto Ipiranga” encontra tanta ressonância? Em parte, porque traduz de forma bem-humorada uma situação bastante conhecida pelo brasileiro: a de não receber uma resposta direta.
Em diferentes contextos, a lógica é parecida:
O bordão funciona como uma espécie de resumo irônico dessa experiência. Quando alguém diz “isso é com o posto Ipiranga”, muitas vezes não está apenas fazendo piada; está sugerindo que a pessoa não sabe (ou não quer) responder naquele momento.
Ao mesmo tempo, o uso do meme coloca em destaque outra característica contemporânea: a busca por “atalhos” de informação. Em vez de pesquisar, comparar dados e analisar fontes, é tentador procurar um “posto Ipiranga” – um especialista, um influenciador, um canal de YouTube – que entregue respostas prontas, de preferência rápidas e simples.
O problema é que, na prática, poucos temas complexos cabem em respostas instantâneas. Economia, saúde pública, segurança, educação: todos exigem contexto, números, histórico. O meme ajuda a perceber, com ironia, essa tensão entre a vontade de resolver tudo com uma frase e a necessidade real de aprofundamento.
Como a expressão entrou de vez na vida cotidiana
Hoje, mesmo quem nunca viu os comerciais originais entende rapidamente o sentido do bordão. Ele já não depende da lembrança da campanha, porque ganhou vida própria na linguagem informal.
Alguns exemplos comuns de uso:
A expressão também ganhou versões mais amplas: às vezes “posto Ipiranga” é usada diretamente como sinônimo de “pessoa que sabe tudo” ou “referência sobre determinado assunto”. Em alguns contextos, o termo passa a ser quase elogioso, indicando confiança em alguém que domina um tema específico.
Ao mesmo tempo, o tom de ironia permanece, especialmente quando a referência é aplicada a autoridades ou figuras públicas que concentram poder de decisão sem necessariamente oferecer transparência sobre como escolhem suas respostas.
Publicidade, marcas e memes: o que o caso Ipiranga ensina
Do ponto de vista de comunicação, a trajetória do “pergunte no posto Ipiranga” oferece algumas lições importantes para marcas e para o próprio público.
Primeiro, mostra como um bordão publicitário pode se desligar da intenção original e ganhar interpretação própria. Quando passa a circular na esfera política, por exemplo, a marca perde parte do controle sobre o sentido da frase. Ela continua lembrada, mas já não define como o público vai interpretar o uso naquele contexto.
Alguns pontos merecem destaque:
Para o público, o caso evidencia como a linguagem publicitária deixou de ser apenas um “fundo sonoro” entre programas de TV e passou a influenciar diretamente a forma como falamos, brincamos e até interpretamos decisões políticas.
Entre o humor e a crítica: o que fica quando a piada passa
Todo meme tem um ciclo: surge, cresce, atinge um pico de popularidade e, em muitos casos, perde força. No caso do “pergunte no posto Ipiranga”, o que chama a atenção é a capacidade de atravessar esse ciclo mantendo ao menos parte da relevância.
Hoje, o bordão já não aparece com a mesma intensidade nos trending topics ou nas montagens virais mais novas. Plataformas como TikTok e Instagram Reels trabalham com linguagens e referências mais recentes, especialmente para públicos mais jovens.
Mesmo assim, a frase se mantém como um código compartilhado entre gerações que acompanharam a campanha original e sua reaparição no noticiário político. Em conversas presenciais, em grupos de família e em determinados debates públicos, ela segue funcionando como forma rápida de sinalizar:
Nesse sentido, o bordão já não depende do “efeito novidade” típico dos memes, mas se consolida como parte de um vocabulário mais duradouro, ao lado de outras expressões de origem publicitária que entraram no repertório nacional.
O que a história do bordão diz sobre o Brasil de hoje
Observar o caminho do “pergunte no posto Ipiranga” ajuda a ler alguns traços da sociedade brasileira recente.
Um deles é a mistura entre entretenimento, consumo e política. Comerciais de TV, piadas de internet e discursos eleitorais hoje circulam nos mesmos feeds, são comentados nas mesmas timelines e acabam influenciando uns aos outros. Um bordão criado para vender combustível pode se tornar, em questão de anos, metáfora para uma política econômica inteira.
Outro ponto é a centralidade da confiança. Em um cenário de excesso de informação, desconfiança em relação a fontes oficiais e disputas narrativas constantes, a tentação de ter um “posto Ipiranga” de referência aumenta. Seja um especialista, um comentarista, uma figura pública ou uma instituição, há sempre a busca por alguém que “resolva” a complexidade por nós.
Ao mesmo tempo, a expressão, usada com ironia, também funciona como alerta: quando todas as respostas parecem vir de um único lugar, é sinal de que talvez seja hora de diversificar as fontes, checar dados e recuperar a autonomia na hora de formar opinião.
Por fim, há um componente de autoironia nacional. O brasileiro costuma lidar com situações de impasse, burocracia e incerteza com humor. Rir do “pergunte no posto Ipiranga” é, em alguma medida, rir da própria experiência de viver em um país em que nem sempre as respostas estão claras, e onde encaminhar o problema para outro setor, outra pessoa ou outra instância virou quase um reflexo.
Entre a lembrança do comercial, o uso em campanhas eleitorais e a presença em conversas de dia a dia, o bordão acabou registrando, em poucas palavras, uma faceta importante da vida brasileira no século XXI: a convivência permanente entre dúvida, delegação e desejo de soluções simples para questões complexas.
Talvez, justamente por isso, a frase continue fazendo sentido, mesmo depois de tantos anos de repetição. Não porque o posto Ipiranga tenha, de fato, todas as respostas, mas porque lembrar desse meme ajuda a perguntar, com um pouco mais de atenção, de onde vêm as respostas que aceitamos como certas.
Antes de “perguntar no posto Ipiranga”, vale sempre perguntar também: quem está falando, com base em quais dados, e a serviço de que tipo de decisão.
O resto, o meme já mostrou, é fácil demais para ser verdade.
Felipe
