As redes sociais já são, há alguns anos, a principal porta de entrada para notícias de boa parte dos brasileiros. Pesquisa do Datafolha de 2023 indicou que mais de 50% dos entrevistados se informam com frequência por meio de plataformas como WhatsApp, Instagram, Facebook, TikTok e X (antigo Twitter). Ao mesmo tempo, a confiança no jornalismo profissional enfrenta um cenário desafiador: excesso de informação, desinformação organizada e um ambiente em que qualquer pessoa pode “publicar” para milhares de pessoas em poucos segundos.
Nesse contexto, duas perguntas se impõem: como as redes sociais afetam a credibilidade do jornalismo profissional? E de que forma influenciam a formação de opinião no Brasil? A resposta passa por entender a mudança no hábito de consumo de notícias, o papel dos algoritmos e a tensão entre velocidade e responsabilidade.
Da banca de jornal ao feed: o novo ponto de partida da informação
Durante décadas, o ponto de partida da informação jornalística foi claro: jornal impresso, rádio e, depois, TV aberta. O leitor sabia quem estava produzindo a notícia, reconhecia o veículo, acompanhava colunistas e repórteres específicos. Havia uma relação direta entre quem informava e quem recebia a informação.
Com as redes sociais, essa relação ficou mais difusa. Hoje é comum que o leitor chegue a uma reportagem do G1, Folha, Estadão, Globo, UOL, veículos regionais ou independentes sem perceber, de imediato, qual é a fonte original. O que ele vê é um post compartilhado por um amigo, um parente ou um influenciador.
Isso gera dois efeitos principais:
Quando a principal vitrine é o feed, a assinatura do jornal, a reputação construída em décadas e o próprio contexto editorial podem ser diluídos em meio a memes, vídeos de entretenimento e opiniões pessoais apresentadas como se fossem informação.
Algoritmo como editor-chefe invisível
Se antes o editor do jornal decidia o que seria capa, hoje boa parte das pessoas descobre as notícias porque o algoritmo “decidiu” que aquele conteúdo era relevante para ela. Essa escolha é feita com base em critérios como:
O problema é que o algoritmo não leva em conta critérios jornalísticos básicos, como relevância pública, checagem de fatos, pluralidade de fontes ou impacto social. Ele prioriza aquilo que prende atenção, gera reação e mantém o usuário conectado.
Isso favorece conteúdos:
O jornalismo profissional entra nesse mesmo fluxo, competindo por espaço e atenção com boatos, teorias conspiratórias, comentários fora de contexto e opiniões extremas. Mesmo reportagens extensas e bem apuradas precisam disputar o clique com vídeos de 15 segundos.
O impacto na credibilidade do jornalismo
A credibilidade do jornalismo profissional depende de alguns pilares: transparência sobre fontes, correção de erros, responsabilidade editorial e independência em relação a interesses políticos e econômicos. Nas redes, esses pilares muitas vezes ficam invisíveis.
Quando uma reportagem é recortada em um print, em um vídeo com edição parcial ou vira apenas uma frase solta fora do contexto original, parte da credibilidade construída pelo processo jornalístico se perde. O leitor não vê:
Além disso, a circulação de desinformação organizada – muitas vezes com aparência de notícia profissional, layouts semelhantes aos de portais conhecidos e linguagem “técnica” – contamina a percepção do público. Quando tudo se parece com notícia, mas nem tudo segue critérios jornalísticos, a tendência é que o leitor passe a desconfiar de tudo.
Em pesquisas recentes no Brasil, é comum encontrar um tipo específico de resposta: “Não confio em jornal nenhum, mas fico de olho em várias fontes”. Essa postura, por um lado, revela senso crítico; por outro, abre brecha para que conteúdos falsos se misturem a reportagens sérias, já que o critério de seleção passa a ser, muitas vezes, a afinidade ideológica, não a qualidade da apuração.
Quando influenciador vira “fonte” principal
Outro ponto relevante é a transformação de influenciadores digitais em referências de informação política, econômica e social. No Brasil, perfis pessoais em YouTube, Instagram e TikTok acumularam, em poucos anos, audiências maiores do que muitos veículos de imprensa tradicionais.
Isso não é, por si só, um problema: há criadores de conteúdo que fazem análise séria, explicam dados complexos e trabalham com transparência ao citar fontes. O desafio é que não existem, para esses influenciadores, as mesmas obrigações éticas e normas de conduta que regem o jornalismo profissional, como o respeito sistemático ao contraditório, o compromisso de correção pública de erros e a separação clara entre notícia e opinião.
Quando o público passa a consumir majoritariamente conteúdos opinativos, apresentados em tom de certeza absoluta, o espaço para a dúvida, para a nuance e para a informação contraditória diminui. A consequência é a formação de bolhas informativas, nas quais o usuário só enxerga aquilo que confirma o que já pensa.
Formação de opinião em ambiente polarizado
No Brasil, a polarização política dos últimos anos amplificou o papel das redes sociais na formação de opinião. Em períodos eleitorais, por exemplo, dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e de diversas organizações de fact-checking mostraram aumento significativo na circulação de notícias falsas e conteúdo manipulado.
Nesse ambiente, a formação de opinião costuma obedecer a três lógicas principais:
O jornalismo profissional, que trabalha com incertezas, versões conflitantes e investigações em andamento, é visto, nesse cenário, como “lento” ou “hesitante”. Uma apuração responsável, que leva dias para ser publicada, concorre com boatos que se espalham em minutos, já prontos para confirmar suspeitas e alimentar narrativas.
Essa diferença de tempo e de linguagem pesa na balança da credibilidade. A notícia verificada chega muitas vezes depois da informação falsa que já “viralizou”, tendo que correr atrás do prejuízo e, em alguns casos, sendo confundida com parte do “jogo político”.
Economia da atenção: o custo da velocidade
As redações também não estão imunes à lógica das redes. Muitos veículos passaram a medir o sucesso de suas reportagens por métricas como cliques, tempo de leitura, compartilhamentos e engajamento em comentários. Essas métricas são importantes para a sustentabilidade financeira das empresas de comunicação, mas também podem induzir atalhos.
Na tentativa de não “ficar para trás”, redações podem:
Quando o público percebe exageros, erros recorrentes ou correções discretas, a credibilidade sofre. A percepção pode ser a de que “o jornal quer só clique”, o que fortalece o discurso de quem acusa a imprensa de agir por interesse – ainda que, na prática, o esforço de correção e transparência seja maior nas redações profissionais do que em boa parte dos perfis que as criticam.
Desinformação, política e responsabilidade das plataformas
A discussão sobre o impacto das redes sociais na credibilidade do jornalismo e na formação de opinião não pode ignorar a responsabilidade das grandes plataformas. No Brasil, o debate sobre regulação de conteúdo, transparência de algoritmos e responsabilização em casos de desinformação massiva vem ganhando espaço no Congresso, no Judiciário e em organismos internacionais.
Os principais pontos em disputa incluem:
Para o jornalismo profissional, há um claro interesse em regras que tornem o ambiente digital menos favorável à desinformação e à manipulação coordenada. Ao mesmo tempo, existe a preocupação de não criar mecanismos que possam ser usados para censurar conteúdos legítimos ou discriminar veículos independentes.
Estratégias do jornalismo para recuperar (ou preservar) a confiança
Diante desse cenário, diversas iniciativas têm sido adotadas por redações brasileiras na tentativa de se adaptar às redes sociais sem abandonar critérios editoriais básicos. Entre elas, é possível destacar:
Também há um movimento crescente de jornalistas que se tornam, eles próprios, criadores de conteúdo em redes sociais, tentando aproximar o público dos bastidores da produção de notícias e responder dúvidas diretamente. Isso pode aproximar o leitor, desde que não transforme o jornalista em “influenciador de torcida” – algo que, de novo, impacta a percepção de imparcialidade.
O papel do leitor: da passividade à curadoria ativa
Em um ambiente em que a informação é abundante, o leitor deixa de ser apenas consumidor e passa a ser, em alguma medida, curador do que lê, compartilha e recomenda. Isso traz responsabilidade, mas também oportunidade.
Algumas atitudes simples podem ajudar a fortalecer o jornalismo confiável e reduzir o impacto da desinformação:
Essa postura ativa não elimina o problema, mas cria um ambiente menos favorável para boatos e campanhas de desinformação. Ao reconhecer a diferença entre opinião, dado bruto e reportagem apurada, o leitor reforça a função social do jornalismo.
Entre a desconfiança e a necessidade
Mesmo em um cenário de crítica intensa à imprensa, não é raro que, diante de crises – enchentes, pandemias, eleições, desastres ambientais –, o público volte a recorrer aos veículos tradicionais em busca de informação confiável. Em momentos de incerteza, a necessidade de fatos verificados se impõe sobre a guerra de versões.
Isso revela um paradoxo: as redes sociais ajudam a desgastar a imagem do jornalismo profissional, mas também reforçam sua importância quando boatos e rumores mostram seus limites. A credibilidade pode ser abalada, mas não substituída inteiramente, porque, em algum momento, alguém precisa fazer o trabalho de checar, confirmar, contextualizar e assumir responsabilidade pelo que publica.
O impacto das redes sociais na credibilidade do jornalismo e na formação de opinião no Brasil, portanto, não é apenas destrutivo ou apenas positivo. Elas ampliaram o acesso à informação, deram voz a grupos antes invisíveis e permitiram o surgimento de iniciativas jornalísticas inovadoras. Ao mesmo tempo, abriram espaço para uma disputa intensa entre fatos, crenças e interesses políticos.
Para o leitor, o desafio é navegar por esse ambiente com senso crítico e critérios minimamente claros de confiança. Para o jornalismo profissional, a tarefa é dupla: adaptar linguagem e formatos às novas plataformas, sem se afastar dos princípios que justificam sua existência. Entre um “like” e outro, essa diferença pode parecer sutil. Mas, na prática, é ela que separa uma sociedade que decide com base em informação de outra guiada por boatos e versões convenientes.
Felipe
