O interesse por turismo sustentável deixou de ser um nicho de mercado e começa a se consolidar como um novo padrão de consumo entre jovens viajantes brasileiros. Agências, plataformas de reservas, redes hoteleiras e destinos turísticos já perceberam a mudança e tentam adaptar seus produtos. A transição, porém, ainda é desigual e levanta uma pergunta prática: até que ponto o que é vendido como “sustentável” realmente muda o impacto das viagens?
O que os jovens entendem por turismo sustentável
Entre viajantes de 18 a 35 anos, o termo “turismo sustentável” raramente aparece associado apenas ao meio ambiente. Em entrevistas de mercado e pesquisas com consumidores, aparecem três eixos principais:
- Impacto ambiental: redução de lixo, uso racional de água e energia, transporte menos poluente.
- Impacto social: respeito à cultura local, apoio a pequenos negócios, combate ao turismo predatório.
- Impacto econômico: distribuição mais equilibrada da renda gerada pelo turismo, não apenas para grandes redes.
Em outras palavras, não se trata apenas de trocar o canudinho de plástico por um de papel. Jovens viajantes avaliam se a hospedagem é de pequeno ou médio porte, se contrata mão de obra local, se oferece experiências fora do circuito massificado e se existe transparência sobre práticas ambientais.
Esse olhar mais amplo está ligado a um contexto maior: aumento da preocupação com mudanças climáticas, crises ambientais recentes no Brasil, além da circulação de relatos em redes sociais sobre “over tourism” em destinos populares, com moradores reclamando de aumento de preços, barulho e descaracterização de bairros.
Fatores que impulsionam essa mudança de comportamento
Vários elementos ajudam a explicar por que esse interesse cresce mais rápido entre os mais jovens:
- Acesso à informação: conteúdos sobre meio ambiente, direitos de comunidades tradicionais e consumo consciente se espalham por redes sociais, blogs de viagem e influenciadores especializados.
- Formação escolar e universitária: temas como sustentabilidade, responsabilidade social corporativa e ESG são mais presentes em cursos e projetos acadêmicos recentes.
- Pressão por coerência: quem já evita desperdício em casa ou tenta reduzir o consumo de plástico tende a levar essa lógica também para as viagens.
- Referências internacionais: muitos jovens acompanham práticas de destinos europeus, asiáticos e latino-americanos que já discutem turismo sustentável há mais tempo.
Mesmo com renda apertada, esse público demonstra disposição para fazer pequenas concessões de conforto ou ajustar o roteiro se perceber que a viagem terá menor impacto negativo. Não é uma mudança radical de estilo de vida, mas uma série de ajustes acumulados: escolher destinos menos lotados, evitar passeios que exploram animais, priorizar hospedagens locais, por exemplo.
Como o setor de turismo está reagindo
Empresas e destinos não ignoraram o movimento. Agências, operadoras e plataformas digitais têm incluído expressões como “eco”, “verde” e “sustentável” em campanhas, roteiros e selos de certificação. O desafio é separar o que é avanço real do que é apenas mudança de discurso.
Entre as principais respostas do mercado, aparecem:
- Selo de sustentabilidade em hospedagens: hotéis, pousadas e hostels divulgam certificações ambientais, programas de reciclagem, uso de energia solar ou reuso de água.
- Roteiros alternativos: criação de pacotes que incluem trilhas guiadas por moradores, visitas a comunidades locais, experiências gastronômicas em pequenos negócios.
- Compensação de emissões: algumas empresas oferecem programas de compensação de carbono ligados a trechos aéreos ou deslocamentos internos.
- Comunicação direcionada: campanhas que falam diretamente com o público jovem, destacando voluntariado, impacto social e experiências “autênticas”.
Por outro lado, especialistas chamam atenção para o risco do “greenwashing”: quando a empresa adota o vocabulário da sustentabilidade sem alterar de forma consistente sua operação. O viajante mais atento começa a fazer perguntas simples: existe relatório de impacto? Há transparência sobre metas e resultados? A comunidade local foi ouvida na criação das atividades turísticas?
Exemplos práticos de mudanças nas viagens
Na prática, como essa preocupação se traduz nas escolhas de viagem? Alguns comportamentos vêm se repetindo entre jovens brasileiros, especialmente em viagens nacionais:
- Destino: busca por cidades menores, praias menos exploradas e áreas rurais, em vez de apenas capitais e pontos já saturados em alta temporada.
- Hospedagem: preferência crescente por pousadas familiares, hostels com projetos socioambientais e campings estruturados, em vez de grandes resorts all inclusive.
- Alimentação: valorização de restaurantes locais, comida caseira, feiras e produtores de agricultura familiar, com curiosidade sobre a origem dos ingredientes.
- Deslocamento interno: incentivo ao uso de transporte público, bicicletas ou caminhadas, sempre que possível, substituindo parte dos deslocamentos de carro.
- Passeios: rejeição, por parte de muitos jovens, de atrativos que envolvem exploração de animais (como selfies com animais sedados ou passeios abusivos) e interesse maior em trilhas, visitas guiadas e atividades culturais.
Esse conjunto de decisões não elimina o impacto ambiental de uma viagem, mas reduz excessos e pressiona o mercado a rever práticas. Quando o hóspede pergunta se o estabelecimento separa o lixo ou por que troca toalhas todos os dias, ele sinaliza que existe demanda por outro tipo de serviço.
O papel das empresas aéreas e do transporte terrestre
O transporte é um dos pontos mais sensíveis na discussão sobre turismo sustentável. Voos e longos deslocamentos de ônibus têm impacto significativo em emissões. Entre jovens brasileiros, observam-se duas tendências simultâneas:
- Viagens mais longas e menos frequentes: em vez de vários fins de semana com voos curtos ao longo do ano, parte dos viajantes concentra férias em uma viagem mais longa, diluindo o impacto relativo de cada trecho.
- Valorização de destinos acessíveis por ônibus ou carro compartilhado: especialmente em regiões com boa malha rodoviária, cresce o interesse por roteiros que dispensam deslocamentos aéreos.
Empresas de transporte, por sua vez, testam algumas respostas: renovação de frota com ônibus mais econômicos, incentivos ao check-in digital para reduzir papel, programas de milhagem atrelados a ações ambientais. A questão central continua a mesma: o que é compromisso efetivo e o que é apenas marketing?
Turismo sustentável também é questão econômica
Além do debate ambiental, há um componente econômico relevante. O turismo é uma fonte importante de renda para diversas cidades brasileiras, e a maneira como essa renda é distribuída afeta a percepção de justiça e bem-estar local.
Quando jovens viajantes escolhem gastar parte maior do orçamento em negócios locais, a dinâmica muda. Em vez de concentrar gastos em grandes redes, priorizam:
- Pousadas de famílias da região.
- Guias credenciados que moram no destino.
- Restaurantes de bairro e pequenos cafés.
- Artesanato produzido por comunidades locais.
Esse tipo de escolha reforça a ideia de que turismo sustentável inclui a economia do lugar visitado. Moradores que percebem benefícios diretos do turismo tendem a apoiar mais a atividade, colaborar com a preservação dos atrativos e participar de projetos locais. Já quando apenas uma pequena parcela captura a maior parte dos ganhos, surgem tensões, rejeição ao visitante e pressão sobre recursos públicos.
Desafios e contradições desse novo comportamento
Apesar do crescimento do interesse, a adoção de práticas sustentáveis enfrenta obstáculos concretos. Entre os principais:
- Preço: em muitos destinos, opções realmente engajadas com sustentabilidade ainda custam mais ou não estão disponíveis em grande escala.
- Informação fragmentada: falta de padronização em selos e certificações dificulta a comparação entre empresas.
- Infraestrutura urbana limitada: mesmo que o turista queira usar transporte público ou bicicletas, nem todas as cidades oferecem estrutura adequada.
- Tempo de planejamento: buscar alternativas sustentáveis exige pesquisa adicional, algo nem sempre possível em viagens de última hora.
Há também contradições inevitáveis. Um mochileiro pode ficar em hostel com boa política ambiental, mas pegar três voos internos na mesma viagem. Um grupo pode visitar projeto social interessante e, no dia seguinte, participar de passeio que pressiona um ambiente sensível. Essas ambiguidades fazem parte da transição e mostram que o turismo sustentável ainda é um processo em construção, não um modelo pronto.
Como o viajante jovem pode avaliar se uma viagem é mais sustentável
Na falta de um sistema único e confiável de classificação, alguns critérios simples ajudam a identificar se a viagem está na direção de menor impacto. Entre as perguntas que o próprio viajante pode fazer:
- A hospedagem tem ações claras de economia de água e energia? Elas são explicadas ao hóspede?
- Há coleta seletiva ou parceria com cooperativas de reciclagem na cidade?
- Os trabalhadores do turismo (guias, atendentes, motoristas) são da própria região?
- O passeio respeita limites de capacidade dos atrativos naturais, evitando grandes aglomerações em áreas frágeis?
- Há respeito às regras locais, à cultura e aos horários da comunidade?
Não se trata de montar um “checklist perfeito”, mas de fazer escolhas conscientes dentro do que é possível para cada orçamento, tempo e destino. O importante é perceber que cada decisão – onde dormir, onde comer, como se deslocar, que tipo de passeio contratar – soma pontos nessa balança.
Dicas práticas para viajar com menor impacto
Para quem quer ajustar o estilo de viagem sem abrir mão de conhecer novos lugares, algumas medidas práticas podem ajudar:
- Planejar com antecedência: quanto maior o tempo de planejamento, maior a chance de encontrar opções de hospedagem e transporte mais alinhadas com práticas sustentáveis.
- Evitar alta temporada quando possível: isso reduz pressão sobre infraestrutura local e pode baratear custos.
- Levar garrafa reutilizável, sacola e talheres próprios: pequenas atitudes que diminuem o consumo de descartáveis.
- Preferir passeios em grupos pequenos: isso facilita o controle de impacto em trilhas, praias e áreas naturais.
- Respeitar regras de parques e áreas de preservação: manter-se nas trilhas, não alimentar animais, não retirar plantas ou pedras.
- Informar-se sobre a comunidade: entender regras de visitação em territórios indígenas, quilombolas ou comunidades tradicionais.
Essas ações não transformam a viagem em um ato “neutro”, mas reduzem excessos e estimulam o setor a oferecer mais alternativas responsáveis.
Impacto das redes sociais e dos influenciadores
Redes sociais têm papel central nessa mudança de percepção. Perfis de viagem com milhares de seguidores passaram a incluir temas como lixo em praias, degradação de trilhas populares e respeito a moradores nas legendas de fotos que antes falavam apenas de “lugares secretos” ou “destinos escondidos”.
Ao mostrar os bastidores de uma foto perfeita – filas, lixo acumulado, conflito com moradores – esses influenciadores ajudam a desmontar a ideia de que o turismo não tem custos. Ao mesmo tempo, também surgem conteúdos que romantizam destinos frágeis sem mencionar riscos, incentivando visitas desorganizadas. O debate sobre responsabilidade de quem produz conteúdo ainda está em aberto.
Para o jovem viajante, uma boa prática é diversificar fontes de informação: combinar relatos em redes sociais com dados de órgãos oficiais, pesquisas acadêmicas e iniciativas locais. Isso ajuda a equilibrar a imagem “instagramável” do destino com a realidade da cidade e de seus moradores.
O que pode mudar nos próximos anos
Tudo indica que o interesse por turismo sustentável entre jovens brasileiros tende a crescer, não a recuar. Três movimentos devem ganhar força:
- Profissionalização: mais cursos, consultorias e projetos focados em turismo de baixo impacto, gestão de áreas naturais e desenvolvimento comunitário.
- Regulação: prefeituras e governos buscando normas para controlar fluxos em áreas sensíveis, cobrar taxas de visitação e exigir contrapartidas de empresas.
- Exigência do consumidor: pressão crescente por transparência nos dados de impacto, metas ambientais claras e redução de práticas predatórias.
Para o setor, não se trata apenas de acompanhar uma “tendência jovem”, mas de entender que o perfil do turista está mudando de forma estrutural. Quem hoje está nos hostels, dividindo quarto e pesquisando trilhas no celular, será o viajante de renda mais alta daqui a alguns anos. Os hábitos que se formam agora tendem a se consolidar.
Para os próprios jovens viajantes, a discussão sobre turismo sustentável é também um exercício de coerência: como conciliar o desejo legítimo de conhecer o mundo com a necessidade de reduzir impactos negativos? As respostas ainda são parciais, mas o simples fato de a pergunta ter ganhado espaço já indica que a lógica do “viajar a qualquer custo” começa a ser revista.
No centro desse debate, permanece uma ideia simples: a viagem não é um produto isolado, mas parte da vida de cidades, comunidades e ecossistemas. Quanto mais claro isso ficar para quem organiza e para quem consome turismo, maiores as chances de o setor crescer sem repetir velhos erros.