Cresce o interesse por turismo sustentável entre jovens viajantes brasileiros e o efeito nas economias locais

Cresce o interesse por turismo sustentável entre jovens viajantes brasileiros e o efeito nas economias locais

Quando se fala em turismo sustentável, muita gente ainda pensa apenas em “viajar para a natureza” ou “não jogar lixo na praia”. Entre jovens viajantes brasileiros, porém, o conceito vem ganhando uma dimensão bem mais ampla — e esse movimento já começa a mexer com preços, tipos de serviço oferecidos e, principalmente, com a forma como o dinheiro circula nas economias locais.

De hostels em capitais a pousadas em vilarejos da Amazônia, a pergunta aparece com frequência: “Vocês têm alguma política ambiental?” ou “Como vocês se relacionam com a comunidade?”. Para um segmento crescente de jovens, isso deixou de ser curiosidade e virou critério de escolha.

O que os jovens chamam de turismo sustentável?

Não existe uma definição única, mas, na prática, quando jovens brasileiros falam em turismo sustentável, geralmente misturam três dimensões:

  • Ambiental: reduzir lixo, poupar água e energia, evitar áreas superexploradas, optar por meios de transporte menos poluentes quando possível.
  • Social: respeitar culturas locais, priorizar guias e empresas da região, evitar experiências que explorem populações vulneráveis ou animais.
  • Econômica: fazer com que parte relevante do dinheiro gasto na viagem fique na própria comunidade, e não apenas em grandes redes.

Ou seja, não se trata apenas de escolher um hotel com placa de “eco”. A lógica é mais ampla: como viajar sem pressionar demais o lugar visitado, e ainda assim contribuir para gerar renda, trabalho e alguma melhoria permanente para quem mora ali?

Esse olhar está alinhado com recomendações de organismos internacionais de turismo, que defendem o chamado “turismo de baixo impacto e alto valor local”: menos sobre volume de visitantes, mais sobre qualidade do gasto e dos vínculos com a comunidade receptora.

Por que o interesse cresce entre os brasileiros de 18 a 35 anos

Vários fatores ajudam a explicar esse aumento de interesse entre os mais jovens. Alguns deles:

  • Clima e crises ambientais no dia a dia: ondas de calor, queimadas, enchentes e secas prolongadas deixaram de ser abstração. Muitos viajantes veem esses efeitos nas próprias férias, seja em praias com erosão, seja em trilhas fechadas por risco de incêndio.
  • Redes sociais e comparação constante: plataformas como Instagram, TikTok e YouTube popularizaram imagens de destinos “lotados demais”, filas para tirar foto em mirantes e degradação de áreas que viraram moda. Em resposta, cresce o interesse por destinos menos óbvios e mais “cuidados”.
  • Educação e informação: temas como mudanças climáticas, direitos das populações tradicionais e consumo consciente aparecem com mais frequência em escolas, universidades e na mídia — ainda que de forma desigual.
  • Busca por experiências com “propósito”: parte dos jovens associa viagem não apenas a descanso, mas a aprendizado, voluntariado de curto prazo, contato com outras realidades e, em alguns casos, militância ambiental ou social.
  • Influência de grandes plataformas: empresas de reservas, companhias aéreas e até cartões de crédito passaram a incluir filtros, selos e programas ligados a “sustentabilidade”. Mesmo com limitações, isso ajuda a dar visibilidade ao tema.

Não significa que todo jovem brasileiro hoje só viaje pensando em impacto ambiental. Longe disso. Mas entre aqueles que têm acesso à informação e algum poder de consumo, as preocupações socioambientais aparecem cada vez mais como um diferencial na hora de fechar a reserva.

Impactos nas economias locais: o que muda na prática

Quando uma parte dos viajantes começa a valorizar práticas sustentáveis, o padrão de gasto também muda. Em vez de concentrar tudo em grandes pacotes “all inclusive”, há uma tendência a pulverizar o consumo em negócios locais menores.

Na prática, isso pode significar:

  • Mais espaço para pequenos empreendedores: guias independentes, barqueiros locais, artesãos, cozinheiras e donos de pequenas pousadas passam a ser mais procurados, especialmente quando se apresentam como moradores da região e não apenas como funcionários de uma grande empresa.
  • Diversificação da economia: comunidades muito dependentes de uma só atividade (por exemplo, pesca ou agricultura de subsistência) encontram no turismo sustentável uma segunda fonte de renda, o que reduz a vulnerabilidade econômica.
  • Manutenção de tradições culturais: quando apresentações culturais, gastronomia típica ou artesanato são valorizados e remunerados de forma justa, esses saberes deixam de ser vistos apenas como “folclore” e podem se tornar fonte estável de trabalho.
  • Pressão por melhor infraestrutura: estradas, saneamento básico, internet e serviços de saúde muitas vezes só avançam em destinos turísticos quando há fluxo de visitantes; a demanda de jovens por serviços “mais alinhados com o ambiente” pode estimular soluções de energia limpa, gestão de resíduos e transporte menos poluente.

O outro lado da moeda é que, se não houver planejamento público e regras claras, o aumento da procura por destinos “sustentáveis” pode inflacionar preços de aluguel, terrenos e serviços básicos, dificultando a vida de quem já mora ali. É o que algumas cidades turísticas brasileiras começam a observar em alta temporada, com jovens dispostos a pagar mais por experiências diferenciadas.

Destinos brasileiros que surfam essa onda

Vários destinos no Brasil já perceberam que o interesse dos jovens por turismo sustentável não é apenas discurso. Alguns exemplos ajudam a entender como isso se traduz em renda local.

Bonito (MS)

Considerado referência em turismo de natureza, Bonito adota há anos um modelo de visitação controlada: número limitado de visitantes por atrativo, obrigatoriedade de guias credenciados e cobrança de taxas que ajudam a financiar a conservação ambiental.

Para jovens viajantes, isso significa trilhas e flutuações em rios de água transparente com menos aglomeração — e a sensação de que o dinheiro gasto contribui para manter o lugar preservado. Para a economia local, resulta em:

  • Geração de empregos formais em agências, hotéis, restaurantes e transporte;
  • Valorização do trabalho de guias locais, muitos deles moradores há décadas na região;
  • Estímulo a investimentos privados em infraestrutura com menor impacto ambiental.

Chapada Diamantina (BA)

Cidades como Lençóis e Vale do Capão têm forte apelo entre mochileiros e jovens em busca de trilhas, cachoeiras e contato com comunidades rurais. A combinação de turismo de aventura, alimentação orgânica e hospedagens pequenas, muitas vezes administradas por famílias locais, cria um ecossistema econômico descentralizado.

Hostels e campings que adotam práticas como reúso de água, energia solar e apoio a guias comunitários não apenas atendem a uma demanda dos jovens, mas também pressionam concorrentes a rever hábitos, sob pena de perder mercado.

Alter do Chão (PA)

Conhecida como “Caribe Amazônico”, Alter do Chão passou de destino pouco conhecido a queridinha nas redes sociais. Nesse processo, surgiram tanto iniciativas alinhadas ao discurso de sustentabilidade quanto práticas de turismo predatório.

Entre as respostas locais, estão passeios conduzidos por ribeirinhos, visitas a comunidades que explicam seus modos de vida e projetos de turismo de base comunitária. Jovens que buscam essas experiências acabam direcionando parte significativa de seus gastos a famílias da região, em vez de concentrar tudo em grandes empreendimentos.

Riscos, limites e o problema do “greenwashing”

Se há mais renda circulando em nome do turismo sustentável, também há mais risco de que o termo seja usado apenas como rótulo de marketing. O chamado greenwashing aparece quando empresas ou destinos simplificam ou exageram suas práticas ambientais e sociais para atrair consumidores preocupados com o tema.

No contexto do turismo, isso pode aparecer de várias formas:

  • Pousadas que se vendem como “ecológicas” por terem poucas unidades, mas não tratam esgoto nem fazem gestão adequada de resíduos;
  • Operadoras que anunciam “experiências com comunidades tradicionais”, mas pagam pouco aos moradores e controlam toda a logística e o lucro;
  • Empresas que compensam emissões de forma pouco transparente, sem informar claramente quanto é emitido e como é compensado.

Para a economia local, o risco é duplo. De um lado, negócios que de fato investem em práticas mais responsáveis podem enfrentar concorrência desleal de quem só “pinta de verde” o próprio serviço. De outro, moradores podem se frustrar se perceberem que o discurso de sustentabilidade gera mais benefícios para intermediários do que para a própria comunidade.

Nesse cenário, políticas públicas claras, certificações sérias e transparência de dados são fundamentais. Quando municípios divulgam, por exemplo, quantas pessoas locais são empregadas no setor, quanto da arrecadação volta para projetos comunitários ou quais normas ambientais são exigidas das pousadas, fica mais fácil para o jovem viajante decidir onde gastar.

Como negócios locais podem se preparar

Para pequenos empreendedores em destinos turísticos, a mudança de perfil dos jovens viajantes brasileiros pode ser oportunidade, não ameaça. Não é necessário transformar a empresa em modelo perfeito de sustentabilidade da noite para o dia, mas alguns passos práticos já fazem diferença.

  • Tornar visíveis práticas que já existem: muitos negócios familiares já compram de produtores locais, reaproveitam alimentos ou evitam desperdícios por hábito. Explicar isso no cardápio, no site ou em placas simples ajuda a mostrar ao hóspede o impacto de suas escolhas.
  • Investir em capacitação local: oferecer vagas e treinamento para jovens da própria comunidade fortalece a economia do entorno e, ao mesmo tempo, gera narrativas autênticas para quem visita.
  • Reduzir desperdícios com foco em custo: iniciativas como troca de lâmpadas por LED, coleta seletiva, separação de óleo e redução de plástico descartável costumam reduzir despesas no médio prazo. Aqui, sustentabilidade e economia convergem.
  • Firmar parcerias com guias e produtores da região: indicar um guia morador, servir cervejas artesanais locais ou incluir pratos feitos com ingredientes regionais cria uma cadeia de renda mais distribuída.
  • Ser honesto sobre o que ainda não é possível fazer: nem todo destino tem coleta seletiva ou saneamento adequado. Admitir limites e mostrar planos concretos (mesmo que pequenos) costuma gerar mais confiança do que promessas vagas.

Para quem administra o destino como um todo — prefeituras, secretarias de turismo e associações locais — o desafio é coordenar esses esforços, evitando que cada um caminhe isoladamente. Mapear quem já trabalha com turismo de base comunitária, quais áreas são mais vulneráveis ambientalmente e qual é a capacidade de carga dos principais atrativos é parte dessa tarefa.

O que isso pode significar para o futuro do turismo no Brasil

Se a tendência de jovens viajantes valorizando práticas sustentáveis se consolidar, o turismo brasileiro tende a enfrentar algumas escolhas estratégicas.

Uma delas é entre crescimento em volume e crescimento em valor. Apostar apenas em números maiores de visitantes pode aumentar pressão sobre infraestruturas frágeis, áreas de preservação e comunidades já sobrecarregadas. Focar em experiências de maior valor agregado — com gasto médio maior por visitante, mas menor impacto ambiental — pode ser um caminho mais estável no longo prazo.

Outra escolha envolve a distribuição territorial do turismo. Hoje, boa parte da demanda se concentra em poucos destinos muito conhecidos, o que gera superlotação em alguns pontos e subaproveitamento de outros com potencial igual ou maior. Jovens interessados em experiências sustentáveis tendem a aceitar deslocamentos mais complexos e condições menos “padronizadas”, o que pode ajudar a descentralizar o fluxo, desde que haja segurança e informação.

Há ainda a questão da inclusão social. Se o turismo sustentável virar apenas um “produto premium”, restrito a quem pode pagar mais caro por pousadas “ecochiques” e pacotes personalizados, o impacto positivo nas economias locais será mais limitado. Por outro lado, políticas que facilitem o acesso de jovens de diferentes faixas de renda — com transporte público adequado, hospedagem acessível e oportunidades de intercâmbio cultural real — ampliam o alcance dos benefícios.

O papel do poder público, em parceria com o setor privado e com as comunidades, será definir regras claras: onde pode construir, quantos visitantes cabem em cada atrativo, quais contrapartidas sociais e ambientais são exigidas de novos empreendimentos. Jovens viajantes podem pressionar nessa direção com o que de fato move o mercado: sua escolha de destino, de hospedagem e de experiências.

Em última análise, o aumento do interesse por turismo sustentável entre jovens brasileiros não resolve por si só os desafios históricos do setor. Mas muda a pergunta central: de “como receber mais turistas?” para “como receber turistas de forma a melhorar a vida de quem mora aqui, hoje e daqui a dez anos?”.

Para muitas comunidades que começam a ver no turismo uma alternativa de renda estável, a diferença entre essas duas perguntas pode significar se o desenvolvimento virá acompanhado de preservação e inclusão ou se repetirá o ciclo de exploração rápida seguido de esgotamento. Os próximos anos dirão qual caminho o país vai escolher — e as decisões de viagem dessa nova geração terão peso direto nessa resposta.

Felipe