Em ano eleitoral no Brasil, a desinformação deixa de ser um ruído de fundo e passa a interferir diretamente na forma como as pessoas votam, debatem e se informam. Correntes no WhatsApp, vídeos “bombásticos” no TikTok, prints de supostas decisões da Justiça Eleitoral: tudo parece urgente, tudo parece verdadeiro. Mas é?
Nas últimas eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegou a derrubar conteúdos considerados falsos ou enganosos em questão de horas. Plataformas firmaram acordos com a Justiça para reduzir a circulação de fake news. Mesmo assim, especialistas apontam que o alcance da desinformação continua elevado, principalmente em grupos fechados e aplicativos de mensagem.
Este texto reúne orientações práticas para reconhecer sinais de alerta, verificar informações e reduzir o impacto da desinformação no seu dia a dia digital durante o período eleitoral brasileiro.
Por que períodos eleitorais são terreno fértil para fake news?
A lógica é simples: em eleições, há muito em jogo. Partidos, campanhas e grupos de interesse disputam narrativas para influenciar opiniões em pouco tempo. A combinação de emoção, polarização e alta circulação de conteúdos favorece boatos e distorções.
Alguns fatores explicam esse aumento no risco de desinformação:
- Urgência do debate: decisões importantes (em quem votar, que propostas apoiar) precisam ser tomadas em prazo curto.
- Polarização política: ambientes fortemente divididos tendem a compartilhar mais conteúdos que confirmam posições prévias, mesmo sem checagem.
- Algoritmos das redes: quanto mais engajamento um conteúdo gera (curtidas, comentários, compartilhamentos), mais ele é distribuído — e fake news costuma ser feita para causar choque e emoção.
- Dificuldade de correção: a mentira circula mais rápido que a checagem; quando a correção chega, muitas pessoas já se convenceram da versão falsa.
Durante as eleições, vale adotar um “modo de atenção máxima” para qualquer conteúdo político que você recebe, especialmente em grupos de família, trabalho ou vizinhança.
Tipos mais comuns de desinformação em eleições brasileiras
Nem toda informação enganosa é igual. Identificar o tipo de conteúdo ajuda a saber como reagir.
- Notícia totalmente falsa: fatos inventados do zero, como “candidato X foi preso” quando nada disso ocorreu.
- Conteúdo fora de contexto: vídeo antigo usado como se fosse atual, ou declaração recortada sem o restante da fala.
- Manipulação de imagem e vídeo: montagens, deepfakes ou edições que distorcem a cena original.
- Boato sobre regras eleitorais: mensagens falsas sobre horário de votação, documentos aceitos, supostas mudanças do TSE.
- Boatos sobre segurança da urna eletrônica: alegações de fraude sem prova, prints falsos de “logs” ou resultados adulterados.
- Textão com “fonte anônima”: supostos relatos de alguém “de dentro do TSE”, “de um general” ou “de um funcionário da campanha” sem qualquer comprovação.
Esses formatos se repetem de eleição em eleição, apenas com novos personagens e siglas. Reconhecer o padrão é meio caminho andado.
Sinais de alerta: como desconfiar em poucos segundos
Nem sempre é possível checar tudo na hora. Mas alguns sinais costumam indicar alto risco de desinformação:
- Tom alarmista ou emocional: “URGENTE!!!”, “espalhem antes que apaguem”, “isso a mídia não mostra”.
- Apego a teorias conspiratórias: supostas tramas gigantes, com centenas de pessoas envolvidas, mas sem uma única prova verificável.
- Ausência de fonte clara: não há link para veículos, dados oficiais ou documentos identificáveis.
- Erros grosseiros de português ou formatação: não é prova definitiva, mas é um indício frequente.
- Pressão para compartilhar: “se você ama o Brasil, repasse”, “se não compartilhar, é cúmplice”.
- Print de tela como única “prova”: prints podem ser facilmente editados; não devem ser a única base de confiança.
Ao identificar dois ou três desses elementos num mesmo conteúdo, a recomendação mais segura é: não compartilhe antes de verificar.
Como verificar notícias políticas de forma prática
Não é necessário ser especialista em checagem. Alguns passos simples reduzem bastante o risco.
1. Procure a mesma informação em veículos de imprensa reconhecidos
Abra uma nova aba no navegador e pesquise o tema em portais de notícias nacionais ou locais. Se a história for realmente relevante — prisão de candidato, suspensão de eleição, mudança brusca nas regras — é muito improvável que só apareça em um áudio de WhatsApp.
2. Consulte os sites oficiais
Para questões ligadas a regras de votação, urnas, calendário e resultados, priorize:
- TSE (Tribunal Superior Eleitoral): tse.jus.br
- TREs (Tribunais Regionais Eleitorais): um para cada estado, com orientações locais
- Portal do Governo Federal: para programas, benefícios e políticas públicas citadas nas campanhas
3. Use serviços de checagem de fatos
Nas eleições, agências especializadas intensificam o trabalho de desmentir boatos. Algumas delas:
- Agência Lupa
- Aos Fatos
- Estadão Verifica
- Projeto Comprova
Digite no buscador o tema principal da mensagem recebido + “boato” ou “fake news”. Muitas vezes a checagem já existe.
4. Confirme o contexto (data, local, autor)
Em vídeos e fotos, tente identificar:
- Data da publicação original
- Local onde o fato ocorreu (placas, sotaque, paisagem, uniformes)
- Quem publicou primeiro (perfil oficial, anônimo, página recém-criada)
Boa parte das peças de desinformação eleitoral usa material antigo (de outras eleições ou até de outros países) como se fosse atual e brasileiro.
Urnas eletrônicas: o que é fato e o que é desinformação?
No Brasil, o tema das urnas eletrônicas costuma ser alvo de desinformação intensa. Ao mesmo tempo, há dados verificáveis sobre seu funcionamento.
Alguns pontos objetivos:
- As urnas são usadas em âmbito nacional desde o fim dos anos 1990, com sucessivas auditorias realizadas por órgãos independentes e partidos.
- Antes das eleições, há testes públicos de segurança com participação de especialistas externos, inclusive críticos do sistema.
- Boletins de urna são impressos ao fim da votação; qualquer cidadão pode fotografá-los e conferir se os totais divulgados batem.
- Casos pontuais de falha técnica (como urna que precisa ser substituída) não significam fraude. Equipamentos eletrônicos, inclusive de bancos e empresas privadas, também falham em pequena escala.
Por outro lado, alegações de “fraude sistêmica” sempre exigem provas concretas, apresentadas à Justiça Eleitoral. Sem isso, permanecem no campo da especulação — e costumam ser usadas para deslegitimar resultados incômodos a determinados grupos.
Como se proteger em grupos de WhatsApp, Telegram e redes sociais
É nesses espaços que a desinformação mais circula, pois há sensação de intimidade e confiança. Algumas medidas ajudam a reduzir o impacto.
1. Desative o download automático de mídia
Desabilitar o download automático de fotos e vídeos evita que seu aparelho vire um repositório de conteúdos duvidosos e dificulta o compartilhamento impulsivo.
2. Use a pergunta chave: “Quem ganha se isso for compartilhado?”
Antes de repassar qualquer conteúdo político, pergunte-se quem é beneficiado pela mensagem. A resposta ajuda a enxergar possíveis interesses ocultos.
3. Evite responder com agressividade
Chamar um parente de “burro” por ter caído em fake news raramente resolve. Uma abordagem mais eficaz pode ser enviar um link de checagem confiável, com um comentário simples: “Olhei isso aqui, parece que a história não é bem assim”.
4. Configure quem pode te adicionar em grupos
Nos aplicativos, é possível restringir quem pode te colocar em novos grupos. Isso diminui a chance de cair em ambientes criados exclusivamente para disparo de propaganda desinformativa.
Qual o papel das plataformas e do poder público?
No Brasil, o TSE tem firmado parcerias com redes sociais para combater desinformação eleitoral, incluindo:
- Rotulagem de conteúdos potencialmente falsos
- Remoção rápida de posts que violem decisões judiciais
- Limitação de encaminhamento em massa em aplicativos de mensagem
Ainda assim, há limitações técnicas e políticas. As plataformas resistem em ser vistas como “árbitros da verdade” e alegam defender a liberdade de expressão. O poder público, por sua vez, tenta equilibrar o combate a conteúdos fraudulentos com o respeito à crítica legítima ao governo e às instituições.
Para o eleitor, o ponto central é entender que nenhum sistema — nem o estatal, nem o privado — consegue dar conta sozinho do volume de desinformação produzida em períodos eleitorais. O comportamento individual continua sendo decisivo.
Como conversar sobre fake news com quem pensa diferente de você
A desinformação prospera em ambientes de desconfiança e hostilidade. Se qualquer crítica é vista como ataque pessoal ou partidário, o debate se torna impossível.
Alguns cuidados podem ajudar:
- Separe a pessoa do conteúdo: criticar uma informação não significa desrespeitar quem compartilhou.
- Use perguntas em vez de acusações: “Você chegou a ver isso em algum jornal ou no site do TSE?” pode abrir mais espaço que “isso é mentira”.
- Leve a conversa para o campo dos fatos: “O que a gente consegue checar aqui, juntos?”
- Admita quando você também já errou: reconhecer que já compartilhou algo falso no passado humaniza a discussão.
O objetivo não é “ganhar” discussão, mas aumentar a disposição para checar informação antes de espalhar.
Ferramentas digitais que podem ajudar nas eleições
Além da checagem manual, há recursos tecnológicos úteis:
- Busca reversa de imagem: serviços como o Google Imagens permitem saber se uma foto já circulou antes e em qual contexto.
- Extensões de navegador: algumas extensões sinalizam sites com histórico de desinformação ou verificam notícias em bancos de dados de checagem.
- Consultas diretas ao TSE e TREs: redes sociais e canais oficiais dos tribunais respondem dúvidas sobre regras eleitorais, título de eleitor, locais e horários de votação.
Mesmo com essas ferramentas, o elemento principal continua sendo o senso crítico de quem consome e compartilha.
O que cada eleitor pode fazer, na prática
Para reduzir o impacto da desinformação nas próximas eleições brasileiras, algumas atitudes individuais fazem diferença real:
- Adotar como regra: “em dúvida, não compartilho”.
- Guardar os principais links oficiais (TSE, TRE do seu estado, sites de checagem) nos favoritos do navegador ou no próprio WhatsApp.
- Questionar mensagens anônimas, sem fonte, principalmente as que pedem encaminhamento urgente.
- Ler pelo menos um resumo de propostas dos principais candidatos em fontes confiáveis, em vez de se informar apenas por memes e correntes.
- Explicar para familiares mais velhos ou com pouca familiaridade digital como checar uma notícia básica.
- Reportar conteúdos claramente falsos nas próprias plataformas, usando as ferramentas de denúncia.
Em contextos polarizados, é tentador compartilhar tudo o que favorece o “seu lado”. Mas o custo coletivo de aceitar a desinformação como arma política é alto: erosão da confiança nas instituições, aumento da violência verbal (e às vezes física) e decisões de voto baseadas em premissas equivocadas.
No fim, o combate à desinformação eleitoral no Brasil não depende apenas de leis, decisões judiciais ou mudanças algorítmicas. Depende também de um gesto simples, repetido milhares de vezes por dia: parar, respirar, conferir — e só então decidir se vale a pena apertar o botão de compartilhar.
Felipe