Em anos eleitorais, o fluxo de informações nas redes sociais, aplicativos de mensagens e sites de notícias aumenta de forma intensa. Ao mesmo tempo, cresce também a circulação de boatos, montagens e conteúdos enganosos criados para influenciar o voto. Nesse cenário, saber identificar fake news deixou de ser uma habilidade “extra” e virou questão de cidadania.
Por que períodos eleitorais são terreno fértil para fake news
Campanhas políticas lidam com prazos curtos, alta emoção e forte disputa por atenção. Em poucas semanas, candidatos precisam conquistar a confiança de milhões de eleitores. Para alguns grupos, espalhar desinformação vira atalho para atacar adversários e reforçar narrativas.
Três fatores ajudam a entender por que a desinformação cresce nesse período:
- Velocidade: boatos se espalham mais rápido que checagens oficiais.
- Polarização: eleitores tendem a acreditar no que reforça suas preferências.
- Uso de tecnologia: robôs, disparos em massa e edição de imagens e vídeos facilitam a manipulação.
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das eleições recentes no Brasil, a Justiça Eleitoral precisou acionar parcerias com plataformas digitais para retirar do ar centenas de links de conteúdos enganosos durante o pleito. Ou seja, não é um problema isolado: faz parte do ambiente eleitoral contemporâneo.
O que é fake news – e o que não é
Nem toda informação errada é “fake news”. Erros acontecem, inclusive em jornais tradicionais, e podem ser corrigidos. O termo fake news costuma se aplicar a conteúdos com algumas características claras:
- Intenção: foram criados para enganar ou manipular.
- Forma: usam linguagem sensacionalista, imagens fora de contexto ou dados distorcidos.
- Origem: não há fonte confiável identificável ou a fonte é claramente enviesada.
Também é importante separar:
- Desinformação: conteúdo falso ou enganoso produzido e compartilhado de forma deliberada.
- Misinformação: informação incorreta, mas compartilhada por alguém que acredita que seja verdadeira.
No dia a dia, quem recebe uma mensagem com boato político geralmente não tem intenção de enganar ninguém. Porém, ao repassar sem checar, ajuda a ampliar o dano da desinformação.
Sinais de alerta para identificar notícias falsas
Antes de compartilhar um conteúdo político, especialmente em época de eleição, vale aplicar um “checklist mental”. Alguns sinais de alerta aparecem com frequência:
- Apelo emocional exagerado: mensagens que tentam causar medo, indignação ou euforia extrema, com termos como “escândalo”, “bomba”, “última hora” a todo momento.
- Urgência para compartilhar: frases como “passe para todos”, “não deixe a mídia esconder isso” ou “antes que tirem do ar”.
- Falta de fonte clara: textos sem link para notícia, sem data, sem nome de jornalista ou veículo responsável.
- Erros de português e formatação estranha: embora não seja regra absoluta, muitos conteúdos enganosos têm grafia descuidada e formatação confusa.
- Informações grandiosas com poucos detalhes: denúncias sérias sem documentos, sem número de processo, sem órgão público identificado.
- Imagens suspeitas: fotos muito desfocadas, recortadas ou sem contexto, muitas vezes de outros países ou de anos anteriores.
Em campanhas eleitorais, um padrão comum é a montagem em que se usa a imagem de um jornal ou TV para dar aparência de credibilidade a algo que nunca foi veiculado por aquele meio.
Passo a passo para checar uma informação
Mesmo sem ser especialista, qualquer eleitor pode adotar alguns procedimentos simples de checagem. Eles costumam levar poucos minutos e evitam que boatos ganhem força.
1. Verifique a data
Conteúdos verdadeiros podem ser reaproveitados de forma enganosa. Uma fala de um candidato de anos atrás, por exemplo, pode ser apresentada como se fosse atual, fora de contexto.
2. Procure a notícia em outros veículos
Abra o navegador e busque alguns trechos do texto. Se a informação for realmente relevante, é provável que outros veículos de comunicação a tenham publicado, com mais detalhes e contexto.
3. Cheque o endereço do site
Sites falsos às vezes copiam o nome e o visual de portais conhecidos, mas com uma pequena mudança no endereço (um número, uma letra a mais). Conferir a URL ajuda a evitar armadilhas.
4. Use buscadores de imagem
Ferramentas como o Google Imagens permitem enviar uma foto e ver onde ela já apareceu na internet. Assim, é possível descobrir se a imagem é antiga ou de outro país.
5. Consulte agências de checagem
No Brasil, agências como Aos Fatos, Lupa, Estadão Verifica e g1 Fato ou Fake, entre outras, monitoram boatos eleitorais com frequência. Antes de compartilhar algo polêmico, vale conferir se já foi analisado por esses serviços.
6. Leia além do título
Muitos boatos circulam com manchetes sensacionalistas, mas, quando é possível ler o texto completo, percebe-se que a informação é mais limitada do que parece ou até contradiz o que está no título.
Tipos mais comuns de fake news em eleições
Nem toda desinformação é criada da mesma forma. Em períodos eleitorais, alguns formatos aparecem com maior frequência:
- Falas distorcidas: trechos de entrevistas recortados para inverter o sentido da frase do candidato.
- Pesquisas falsas: números de intenção de voto sem fonte, sem instituto identificado ou com institutos “fantasmas”.
- Boatos sobre urnas eletrônicas: alegações de fraude sem provas, muitas vezes já desmentidas por auditorias e testes oficiais.
- Histórias pessoais inventadas: supostos escândalos da vida privada de candidatos, sem registro em documentos ou apurações jornalísticas.
- Boatos sobre programas sociais: mensagens anunciando o fim ou a criação de benefícios sem que haja ato oficial, projeto de lei ou publicação em Diário Oficial.
Um padrão recorrente é a tentativa de desacreditar o sistema eleitoral. O TSE divulga rotineiramente informações técnicas sobre testes nas urnas e mecanismos de auditoria, mas, ainda assim, boatos reaparecem a cada eleição, com pequenas variações.
O papel das plataformas e o que mudou na legislação
Plataformas como WhatsApp, Telegram, Facebook, X (antigo Twitter), Instagram e TikTok tornaram-se canais centrais de discussão política. Elas também são utilizadas para campanhas de desinformação.
Nos últimos anos, algumas medidas foram adotadas:
- Limites a disparos em massa: o WhatsApp, por exemplo, passou a restringir o encaminhamento de mensagens e a bloquear contas que fazem envios em grande volume.
- Parcerias com a Justiça Eleitoral: o TSE mantém acordos com plataformas para agilizar a remoção de conteúdos claramente falsos que possam afetar o processo eleitoral.
- Mecanismos de denúncia: redes sociais oferecem botões para reportar conteúdos enganosos, discurso de ódio ou incitação à violência.
No campo legal, o debate sobre regulação de plataformas e responsabilização por desinformação segue em andamento no Congresso Nacional, com diferentes projetos em discussão. Enquanto não há consenso definitivo, o foco principal continua sendo a educação midiática do eleitor e a atuação das instituições já existentes, como Ministério Público, TSE e Polícia Federal, em casos mais graves.
Como se proteger da desinformação no dia a dia
A proteção contra fake news não depende apenas das leis ou das plataformas. Há atitudes individuais que reduzem bastante a chance de cair em armadilhas.
Mantenha uma dieta informativa diversificada
Confiar em uma única fonte, seja um canal de TV, um influenciador ou um grupo de WhatsApp, aumenta o risco de ficar preso em uma bolha. Alternar entre veículos com linhas editoriais diferentes ajuda a ter uma visão mais equilibrada.
Desconfie de “verdades absolutas”
Em política, raramente há respostas simples para problemas complexos. Mensagens que apontam soluções milagrosas ou culpados únicos para tudo merecem atenção redobrada.
Controle o impulso de compartilhar na hora
A pressa é aliada da desinformação. Criadores de fake news contam com o reflexo do usuário: ler, se indignar e repassar em segundos. Reservar alguns minutos para checar já faz diferença.
Cuide das suas fontes em grupos de família e amigos
Se um grupo é conhecido por ter muitos boatos, trate tudo que vem dali como “material bruto” que precisa de verificação. Não é preciso sair dos grupos, mas é saudável mudar a forma de lidar com o conteúdo.
Atenção especial a áudios e vídeos
Conteúdos em áudio, especialmente aqueles gravados em tom de “denúncia urgente”, geram confiança porque parecem próximos e pessoais. Porém, a mesma regra vale: sem fonte, sem dados verificáveis, sem chance de conferência, o risco de ser desinformação é alto.
O que fazer quando você recebe uma fake news
Ninguém está completamente imune a acreditar em um boato, principalmente quando ele reforça nossas crenças. O ponto central não é nunca errar, mas saber o que fazer quando se percebe o erro.
1. Pare de compartilhar imediatamente
Ao desconfiar de um conteúdo, interrompa o repasse. Cada compartilhamento multiplica o alcance do boato.
2. Informe quem enviou
Uma resposta simples, sem agressividade, costuma funcionar melhor do que uma bronca. Por exemplo: “Oi, fui checar essa informação e parece que é falsa, olha esse link aqui da checagem”.
3. Envie uma fonte confiável de correção
Em vez de apenas dizer “isso é mentira”, compartilhar uma checagem de agência especializada ou reportagem detalhada ajuda a mostrar os fatos e reduz a discussão baseada só em opinião.
4. Não exponha ou ridicularize o remetente
Transformar o erro em motivo de humilhação pode fazer com que a pessoa se feche ainda mais em grupos que reforçam a desinformação. O objetivo é informar, não vencer um debate.
5. Use os canais de denúncia
Se o conteúdo for especialmente grave, com ameaça à integridade de pessoas, incitação à violência ou ataques às instituições democráticas, vale usar as ferramentas de denúncia das plataformas e, em casos extremos, procurar as autoridades competentes.
O papel da educação midiática do eleitor
A longo prazo, o caminho mais sólido para reduzir o impacto da desinformação é fortalecer a educação midiática, ou seja, a capacidade de cidadãos de entender como a informação é produzida, distribuída e consumida.
Alguns eixos são fundamentais:
- Escola: incluir discussões sobre leitura crítica de notícias e uso responsável da internet em conteúdos de ensino básico e médio.
- Família: conversar abertamente sobre notícias, checar juntos informações polêmicas e mostrar para crianças e adolescentes como identificar fontes confiáveis.
- Jornais e veículos de mídia: explicar de forma transparente seus processos de apuração, correção e atualização, aproximando o leitor da rotina jornalística.
No Brasil, iniciativas de organizações da sociedade civil e de universidades já oferecem cursos, cartilhas e oficinas sobre o tema. Embora não resolvam o problema sozinhas, ampliam o repertório do eleitor para enfrentar períodos de intensa disputa narrativa, como as eleições.
Por que a verificação é uma forma de proteger a democracia
Eleitores bem informados não garantem, por si só, resultados eleitorais “perfeitos”. Porém, reduzem a chance de decisões baseadas em boatos e mentiras deliberadas. O voto continua sendo uma escolha subjetiva, que envolve valores pessoais e visões de mundo, mas essa escolha precisa ser feita com base em fatos minimamente verificáveis.
Ao desconfiar de mensagens fáceis, checar informações antes de repassar, valorizar fontes com histórico de correção de erros e dialogar de forma respeitosa, cada cidadão contribui para um ambiente eleitoral menos contaminado por boatos e mais aberto ao debate de propostas.
Em tempos de redes sociais e campanhas digitais, proteger-se da desinformação é também uma forma de proteger seu próprio direito de decidir, de forma consciente, quem deve governar o país, o estado ou o município. E isso começa com gestos simples, repetidos no dia a dia, muito antes do momento de apertar o botão “confirmar” na urna.
Felipe